bom retiro

acordei numa manhã de frio torturante
cercado

 por dois policiais
e

duas assistentes sociais

saltei como um gato

desvincilhando-me das cobertas

fiquei sentado

de olhos arregalados

com pavor misturado à saliva

faltava-me o ar

não conseguia sequer gritar

pense que pudesse ser um pesadelo dantesco

não era

era real

e aquela realidade me pisoteava

tudo aconteceu rápido

como um rapto

meu pai surgiu

como uma planta surge da terra negra

nada fez

os guardas sim

tatearam afobados pelo quarto

em busca de entorpecentes

descobriram mais de meio quilo de maconha

(minha doce e suculenta erva!)

mastiguei o pavor

vomitei o grito
insultando

 os agentes da lei

as assistentes do governo

por desperdiçarem deliberadamente

suas vidas

com seus uniformes limpos!!!

fui conduzido à triste viatura

levado ao manicômio municipal

(sem entender nada!)

colocado numa ambulância

que marchou

como um cavalo dopado

por duzentos quilômetros

até o Hospital Psiquiátrico Bom Retiro

na sonolenta Curitiba

lá

fui trancafiado entre paredes mais doentes que eu!

lá

permaneci um mês

(nada entendendo)

embora

lá

pelo terceiro ou quarto dia

já

me entendia

com dezenas de loucos 

fracassados e perdidos

(como eu)

já

gostava daquele vento de insanidade

roçando minhas faces

e no pátio

via com ternura 

o sol se pondo

as flores coloridas do canteiro

o barulho gostoso da chuva

vinha de quatro outras internações

nas últimas dez primaveras da vida

estava em casa

já

voava

na conversa doentia com meus calorosos

camaradas lunáticos

quando

parti

parte

de mim chorou

quando lancei o último olhar

para aquele

bom retiro

qualquer hora volto

pensei

com 

um

gosto

salgado

na

boca