quinta-feira, 31 de março de 2016

fácil

é tão fácil   perder a cabeça
é tão fácil   ficar bêbado o dia inteiro  ( como uma mosca de bar )
é tão fácil   viver sem emprego
é tão fácil   ir a um bordel e estraçalhar uma prostituta
 é tão fácil   fumar maconha deitado num colchão velho   
é tão fácil   foder universitárias
é tão fácil   perder tudo no jogo
é tão fácil   deixar a porta aberta para o vento entrar e a esposa sair
é tão fácil   trair a esposa
é tão fácil   viver escrevendo poemas e não ganhar um centavo
é tão fácil   não fazer nada
é tão fácil   seduzir uma menina menor nos seus 15 anos morenos
é tão fácil   descobrir a inutilidade de tudo   principalmente a do poeta
é tão fácil matar um pardal inquieto
é tão fácil se livrar de um poeta beatnik bêbado que não para de falar
   (é  só enfiar o pé no rabo dele)
é tão fácil   ser obsceno
é tão fácil   brigar entorpecido e sem motivos nos fundos de um bar
é tão fácil   mandar um guarda se foder e ir preso
é tão fácil   suportar ressacas por décadas
é tão fácil   não suportar e morrer de cirrose
pois é tão fácil morrer 
no meio deste rebanho de ovelhas bestas seguidoras de pastores
é tão fácil   ser livre
e
quem
é
livre
sobrevive
 mas
alguém

foi
livre
um
 dia?
 

palavras

a chama
da
lua
da
tarde 
transforma o amor à arte
provoca alarde
saio ensandecido pela cidade
( em busca de algo )
não sei   o que!!!
depois que parei com as drogas
me resta somente a escrita
ela grita
e bate nos corredores das avenidas
eu atendo
entendo seu desesperado pedido
de abraço amigo
na procura da palavra certa
abrem-se fendas na terra
rastejo e farejo o pó da estrada
já percorrida por tantos
poetas
liquidados pelo tempo
alguém disse
que escrever é uma espécie de loucura
digo que é uma
ansiedade por calamidade
pois na maioria das vezes
tudo dá errado mesmo
você fica mesmo louco
embriagado
de
palavras
eu e minha mãe

eu dizia:   mãe   vou ser poeta
ela dizia:   não   você vai ser engenheiro
eu dizia:   mãe   vou me tornar um bêbado
ela dizia:   não    você vai permanecer sóbrio
eu dizia:   mãe   eu fumo maconha
ela dizia:   não   pode parar com isso
eu dizia:  mãe    eu vou embora   vou ser hippie
ela dizia:   não   você vai ficar aqui em casa
eu dizia:   mãe:   não quero mais estudar
ela dizia:   não   vou fazer sua matrícula no vestibular
eu dizia:   mãe eu te odeio
ela dizia:   eu também te odeio
mas nós nos amávamos
eu apenas tinha 20 anos
e ela ficou doente
eu me senti culpado
mesmo não sendo
depois de muitos anos
já escrevia
não me formei em faculdade alguma
apesar de ter frequentado umas quatro
e ter sido aprovado em mais de dez vestibulares
mas ela ficou terrivelmente doente
(como um ratinho assustado)
      já fumava maconha ao seu lado
mas ela morreu
de olhos abertos
sem me ver formado
como ela tanto sonhou
até hoje vivo
sem eira nem beira
 a difícil vida
de
um
poeta
para minha primeira namorada

                                                                              
até que gostava dela
afinal tinha sentimentos
era ainda um cristão
e toda minha família aguardava
minha brilhante carreira
mas tudo foi em vão
(inclusive o namoro)
pedra gorda no mar bravo
tinha 17   ela 20
realmente   acima de tudo
desejava perder a virgindade
dentro daquele corpo
e que corpo!!!
alta ( 1,76m )
seios do tamanho das minhas já grandes mãos
cintura fina   um largo oceânico quadril
pernas majestosas e tímidas
pele branquíssima que um
cabelo castanho
 realizavam um contraste de rasgar as calças
além dos olhos   boca   nariz   orelhas   sobrancelhas  cílios  brincos   pouca maquiagem
e
 voz grave
bonita aquela cabrita
com seu andar ereto
ela rebolava chacoalhando as partes para lá e para cá
como se fosse vítima de algum vento furioso e indeciso
foi ela que começou a me atacar com mãos de professora
segurava meu pau e o masturbava
enquanto na TV passava algum filme idiota
ela me ouvia gemer e continuava até eu encharcar sua mão com sêmen
assim ela o fez por semanas
eu achei bom alguém fazer aquilo que estava acostumado a fazer sozinho
mas no vigor dos 17 encontrei uma puta
(a primeira de inúmeras)
eu queria comer minha namorada
ela não queria entregar sua fenda preciosa
a puta estava a fim
e numa quinta-feira de chuva torrencial
comi a puta na casa dela
no sofá laranja da sala
me senti um guerreiro do exército romano triunfando sobre os povos amedrontados
porém fui descoberto e meu namoro naufragou
como as embarcações bêbadas de vinho sucumbem ao chocar-se com os rochedos cheios de musgo
esses destroços que eram eu
sentiram falta dela
e após uns 2 meses
fui procurá-la
trocamos beijos com o fervor dos mendigos embriagados
mas ela não quis reatar
curiosamente um mês depois
ela decide voltar com o namoro
agora já conhecia outras putas
não sentia mais nada por ela
aceitei o convite pensando somente em desfrutar as delícias daquele corpo
que me abria o apetite
como um bom prato de comida nos faz salivar
o que não contei é que ela era virgem!!!
oh!deflorar uma caverna desconhecida   em brasa   úmida   acolhedora...
era muita tentação   já não era mais cristão
fazia pactos com o demônio
como os poetas fazem com o sol
enfim   chegou o fim do ano   a formatura
a tão esperada viagem rumo ao litoral
ela estava decidida a me presentear com sua buceta
eu não sabia de nada
logo na primeira noite   deitamos apertados na cama de solteiro
e fomos nos despindo até que ela deita de costas
abre e ergue as selvagens pernas brancas
eu vou em direção aos pentelhos castanhos e a penetro
uma   duas   três estocadas    gozo
uma ejaculação precoce
uma derrota na cama
como estava cansado dela e de toda espera
abandonei ela e o quarto
não voltei mais ao quarto nem à ela 
nos dez dias seguintes da excursão
ela que se foda! prefiro as putas! pensava
acho hoje que tudo isso aconteceu porque dela não mais gostava
somente queria usá-la
como se usa uma boneca inflável!
no final daquela viagem
comi outra garota da turma
por quem tinha enorme tesão e era uma puta também
beijei-a na boca   um longo beijo
seus lábios eram de uma maciez que não lembro ter encontrado outra vez
beijei-a na frente da minha namorada
para jogar mais um punhado de areia em seus olhos
hoje a vejo na cidade
já se passaram vinte e três anos
ela está cheia de rugas
me parece amarga
minhas relações com as mulheres começaram com ela
e já se mostraram desastrosas
não foi minha culpa   nem dela
foi simplesmente a velha estrada tortuosa
do
amor

segunda-feira, 28 de março de 2016

poema

preciso do poema
afogar ansiedade
da calamidade
que me rói por
dentro
preciso do poema
da precisão do poema
como um cão
precisa do osso
a roer enlouquecido
permanece distraído
preciso do poema
ele também me distrai
sai a poeira negra
de meus olhos
passo a olhar
mais sorridente
calmo
nobre
olho o solitário
vento da tarde
vejo calmaria
já não estou tão só
preciso do poema
da voz forte
de meu pai
da lágrima a descer
até o canto da boca
formando um braço de mar
água salgada
cristalina
me afundo
me ergo
fascinado
me sinto feliz
depois de chorar
de alagar as
cicatrizes do meu rosto
preciso do poema
acariciar a mão
de minha pequena
nem que seja apenas sonho
nem que seja apenas imaginação
de um ladrão
que nunca
conseguiu
roubar
nada
um poema de amor

                                                                         a Joana Corona

fique comigo
uma vez a cada dia
ou uma vez a cada semana
ou uma vez a cada mês
ou uma vez a cada ano
ou uma vez a cada década
mas fique   fique   fique
comigo
mais uma vez
venha de onde for
que esteja
amor
venha
em forma de cinzas
em forma de corpo
em forma de coração
em forma de olhos
em forma de boca
venha
de você somente tenho lembranças
elas teimam em se apagar
eu luto para manter preso em minha memória
seu sorriso
seu olhar
sua voz
eu choro e grito na madrugada calada
reivindico
sua presença nos meus sonhos
lá lhe encontro viva   ardente   falante
como antes
naqueles tempos de nossa paixão secreta
abertas nossas bocas se encontravam
a cada esquina
você ainda menina
você e eu molhados pela chuva
chegando ao apartamento
com frio   vinha arrepio   e   tomávamos um banho quente
em baixo d'água minha barba era feita por suas mãos
nós nos beijávamos sob aquele temporal de gotas de fogo
nós nos enxugávamos com nossa toalha vermelha
como o sol se pondo num dia de verão   lembra?
depois eu lia meus poemas
seus olhos azuis cresciam
seus pelos se ouriçavam
quando a noite fervia em nossa pele
nos amávamos por horas
até as cores da aurora invadirem o quarto
repleto de roupas jogadas   que assistiam tudo
nós fumávamos um bom baseado
e dormíamos agarrados
para não nos perdemos um do outro
mas você desapareceu
porque seu coração cansou e parou
e eu fiquei cansado e parado
desde então
fique
fique comigo
mais uma vez
retorne
sei lá como 
mas retorne
ou vou ao seu encontro
com um corte
nos pulsos   mergulho na morte
acho você   ou talvez não
acho que não é uma boa idéia
mas fica aqui registrado
meu tolo pensamento suicida
em busca de uma melhor vida
(enquanto isso   a chuva cai lá fora
abro uma cerveja   acendo um cigarro
esboço uma certa felicidade
por ter escrito isso
com toneladas de saudade)  
 

estilo

numa das esquinas da minha vida
entrei no curso de ciências sociais da UFPR
foi um tempo de pensamento e loucura
estudei sociologia   política   antropologia
estudei Weber   Marx     Lévi-Strauss
bebi quilômetros de cerveja
com o sol deitado no balcão sobre mocas azuis
eu   Rayan  e  o  poeta  João
no bar do espanhol
lá   aprendi mais coisas que dentro das jaulas da universidade
tão decadente quanto um gato velho todo despedaçado
lá discutíamos o que os professores moribundos
como mendigos em sua última prece
falavam   falavam   falavam
lá aprendi com João poucas   mas belas coisas sobre poesia
nos dias mais inspirados   diante daquela tediosa e recatada Curitiba
onde nada acontece
apesar de não acontecer nada em lugar nenhum
(nós fazíamos acontecer)
porque é você que tem que acontecer
porque o mundo é realmente um lugar horrível de se estar
(você pode me perguntar: comparado a que?)
eu diria: ao não-mundo
nos braços rosados e longos da imaginação
ela pode lhe transformar num poeta ou num bêbado
ou nos dois
mas ia dizendo
nós acontecíamos
misturávamos à cerveja
quilos de cachaça
esse líquido transparente enlouquecedor
e enlouquecidos
ou subíamos nas mesas
ou chutávamos cadeiras
ou seduzíamos ninfetas
ou brigávamos com os namorados das ninfetas
ou esmagávamos as moscas
ou declamávamos poemas
ou saíamos correndo até outro bar
ou gritávamos:
"foda-se Marx
foda-se Weber
foda-se Lévi-Strauss
foda-se Carlos Drummond de Andrade
fodam-se os irmãos Campos"
e algumas ninfetas eram seduzidas
ficavam amolecidas
como um bife batido
por nossa demência
nós comíamos essas garotas
enfim alguma recompensa
depois daquele esgotamento
daquele suor de cerveja e cachaça
desabando da testa   fazendo arder os olhos
elas ficavam agradecidas
(beatas diante da dádiva dos deuses!!!)
nós éramos loucos literalmente
todos tomavam Lítio 300 mg
mas éramos delicados com as garotas
tínhamos o que poucos tem
estilo
depois de tudo
com a noite engolindo nossos corpos
ficávamos pensando
em tudo
aquilo
nosso
estilo
canção do amor sorridente

permaneço acordado 24 horas
depois durmo outras 24
lhe ofereço uma questão:
" é capaz disso ? "
leio e escrevo
como se somente tivesse um dia de vida
durmo uma eternidade
sem ouvir o barulho da queda
de tantos poetas caídos das nuvens violetas do poente
lhe pergunto:
você que vive uma vida ordenada
cortando seu gramado
podando a copa das árvores
não comendo carne na sexta-feira santa
não possuindo preconceitos
indo à missa todo domingo
chamando os criminosos de demônios
consultando seu médico a cada seis meses
rindo das vídeo cassetadas
não entendendo nada de nada
e fingindo estar entendendo tudo
achando que o amor é a solução
mesmo não sabendo o que é amar
e muito menos o que é ser amado
eu caminho ao seu lado
mas não lhe pergunto que horas são
o jogo de bilhar está próximo do fim
e a bola oito teima em não naufragar na caçapa
o besouro semi morto vê desolado
as formigas selvagens comerem sua carapaça
o desfile das loiras anoréxicas sob os olhos do sol triunfa
e isso lhes causa fome
a bandeira do Brasil trêmula e tímida
ao som de pedaços pequenos de vento é triturada
tudo isto faz parte da insanidade a percorrer as ruelas do meu coração
mas há sentido
como no gemido falso de uma puta
como na tristeza aguda de uma canção alegre
estou compondo versos
(do jeito que quero)
não erro o alvo
atinjo você
vou até relaxar e perguntar
que horas são
antes da morte matar tudo e todos
antes que a luz não não vença mais a escuridão
eu lhe digo:
"já fui como você"
"quero saber se você consegue ser como eu"
talvez não consiga
talvez não queira
mas é fato
vejo coisas que você não vê
vejo além deste cemitério de carniças fétidas
chamado Terra
vejo você
esqueço
o que faz ou pensa
o transformo em flor
e dou um beijo adocicado
em cada uma das suas pétalas
eu o entendo
 amo a humanidade
na sua grande demência
nas suas grandes incoerências
tenho orgulho de quem sou
mas sou simples a ponte de afagar os cabelos
de qualquer um
coloco selos
em cartas de amor
e as despacho para o mundo
apesar do vazio a encher meu corpo
 aceno um sorriso
para todos   

terça-feira, 22 de março de 2016

a vegetariana

almoço lento
bifes suculentos
não me afeta a matança
de bois   porcos   ou   galinhas
uma vez tive um caso com uma vegetariana
ela gostava de arroz integral
leite hiper-desnatado
saladas
meu deus   como ela gostava de salada
pepino   beterraba   brócolis   cenoura   tomate
era um escândalo aquilo!
recusar a carne vermelha como o poente
e não admitir sequer a carne branca de um peru
como o branco de suas belas pernas
belas coxas bem esculpidas
tornozelos finos
pés pequenos
delicadas unhas pintadas da cor do céu
e gostava de sucrilhos Kellogs
e fibra de trigo Nestlé
e azeite de oliva extra virgem
oriundo do mundo
das oliveiras espanholas
não bebia álcool
enquanto eu mamava muitas cervejas Budweiser
conhaque Domecq
e vinho do Porto
quando bêbado ficava
a incomodava
por somente beber incessantemente
chá
chá de gengibre
chá de boldo chileno
chá verde chinês
chá Mate-leão
"é muito chá mulher   você vai urinar o dia inteiro
mas que porra é essa?   por que tanto chá?" eu dizia
"é para manter a boa forma" ela dizia
"forma de um esqueleto" eu dizia
"o que tem demais em esfaquear um porco
ver aquele rio de sangue encharcar o gramado
mais aquele eterno guinhchar   eterno uivo de bicho
que sente a morte ao seu lado?" eu dizia
ela ficava ressentida
eu enchia um copo de vinho
e mastigava lentamente
mais um bom
pedaço
de 
bife
como nasce um poeta

novamente o poema das 4 da manhã
não posso deixar o retorno ao passado passar despercebido
tenho que cravar nesta página em branco
o sangue que formou meus ossos
aquele jovem de 20 franzinos anos
chegou a ilha do desterro
entusiasmado
acendeu seu baseado na beira
da avenida beira-mar
deu um longo trago
expeliu a torre de fumaça
em frente ao intrépido oceano Atlântico
começava   mal sabia ele
sua descida aos infernos claustrofóbicos da mente
que recusa Deus
que recusa a família
que recusa a educação universitária
que recusa a televisão
que recusa a monogamia
mal sabia ele
ia se tornar um leitor
ia se tornar um bêbado
ia se tornar o rei das putas
ia se tornar o rei do LSD
ia se tornar um poeta
destino mais perigoso não se conhece
e sua mãe chorava
e seu pai enlouquecia
e o pastor foi chamado
para exorciza-lo
"ele está infestado por uma legião de espíritos malignos"
e seu antigo médico foi chamado     
"os drogaditos segundo a OMS não tem cura
veja o que você está fazendo com seus pais!"
e ele ficou louco
internado numa jaula do hospício
e a psiquiatra foi chamada
"ele possui uma doença mental
transtorno bi-polar"
e ele recebeu alta
e voltou para a universidade em sua cidade
e ele se apaixonou
por uma ninfeta selvagem de 17
e ele foi traído
e ele voltou a beber doses generosas de conhaque
e ele partiu
partiu o coração de todos
a mãe
o pai
o pastor
o médico
a psiquiatra
menos o da ninfeta!
isso já faz muito tempo
mas a lembrança queima
até hoje tento ser poeta
até hoje tento me livrar desses psiquiatras
até hoje   porém
carrego no rosto
aquele mesmo sorriso
de 20 anos atrás
depois de um bom trago na maconha
depois de farejar o gosto do mar
e me entregar
completamente à loucura
não é nada mais que um estilo de vida
podia ser um mecânico de carros
ou um engenheiro
outro estilo de vida
prefiro o meu
doido
e
poeta

acordado

a insônia como um sonho
vestido de pavor
deixa meus olhos abertos
são 4 e 10
escrever é a única saída
já que entrada para o sono foi cancelada
já escutei o disco do Queen umas 8 vezes
já matei obstinado dezenas de pernilongos gordos de sangue
meu sangue sugado
me faz parecer uma página em branco
fui ao espelho e conferi
meu cabelo esfarrapado
minha barba não cortada há meses
meu rosto pálido e amedrontado
como filhotes de passarinhos
resta ir lá fora
com um estilete ardente à mão
decepar o fogo das flores
decepar a cabeça dos postes
olhar para a lua e sorrir
um sorriso diabólico
feito de dentes podres
olhar para a rua deserta e uivar
um uivo de lobo esfaqueado nas montanhas
da combalida América
volto à casa e penso
na América faminta
América que já foi o novo mundo
e hoje nem velho mundo é
penso mais
como um filósofo preso
devorando a ferrugem das grades com sua filosofia
penso no poema que escrevo neste minuto fúnebre
de minha já quase extinta história
pouca glória
muito catarro de tabaco deitado
no tapete do quarto
muitas crises de gastrite nos hospitais
nos quais a Dona morte
observa tudo com olhos de víbora
muitas internações em hospícios
meu verdadeiro lar
onde encontrei o abraço insano
dos meus melhores amigos
verdadeiros parceiros da loucura
muito embriagado de barbitúricos em Blumenau
dançando na lama
sem carteira   sem dinheiro
sem camisa   sem chinelo
(não me perguntem como voltei para casa!)
não lembro de nada
este poema é isso
e somente isso
nascido de dentro das minhas entranhas
cuspido com fervor para as alturas do céu
onde nada existe
assim como eu
um pedaço de nada
a não dormir
e escrever versos
da mesma forma que se retira a tampinha de uma cerveja
da mesma forma que se abre uma lata de extrato de tomate
esses atos revelam tanta poesia quanto meu poema
e há tantos poetas neste mundo
que só de pensar prefiro morrer comendo minhocas
não gosto de falar sobre o fazer poético
principalmente com poetas
prefiro rabiscar o chão por onde ando
quieto
quieto e solitário
quieto  solitário  e  insone
quero que ninguém saiba meu nome
quero permanecer no anonimato
assim ninguém saberá  nada a meu respeito
nem o que lança chamas em meu peito
nada sobre a água
que busco para apagar este incêndio
e destas cinzas
retirar a linda
inocência do próximo poema
ainda que acordado
eternamente
  
todo dia é domingo

domingo   outono chegou
mas é febre o que sinto nas veias
é mormaço que observo abater
as verdes plantas corajosas a nascer no concreto
defronte a minha cabisbaixa janela
domingo   para mim
todo dia é domingo
nada faço   tudo é cansaço
vou rastejando como as minhocas
aos saltos para escapar das garfadas dos pássaros assassinos
esses pássaros   gosto do seu canto
mas prefiro as minhocas   são mais valentes na sua vida contorcida
domingo   a poeira do tapete doentio
adentra as narinas
vem tosse a sujar meu corpo
o poema me lava
como a lava do vulcão arrebenta as casas
como uma gota de colírio limpa
o olho furioso
domingo   vou me embriagar de caminhada
até a ponte
ver o horizonte com a saudade dos mortos
saudade grande de pequenas coisas que vivi
nada sobrou
somente as cinzas do incêndio que sou
sou a lembrança do que fui
domingo
fazendo meu poema dominical
ainda em jejum
depois   deglutir um nescau
partir
para um abraço quente nas montanhas do caminho
talvez beba um vinho
talvez   canse e morra
talvez   cante e adormeça
à beira do rio
por breve tempo
dissiparia o fastio
que me consome
não tem nome
é pesado
é um fardo
com a mesma dor da utopia a carregar nas costas
quem diria
meus sonhos morrem
como um homem morre após um corte de faca no coração
essa mesma faca
atravessou meu destino
o cortou em dois
de um lado fiquei
do outro
ficaram os outros
que pouco a pouco
desapareceram
como desaparece este poema
diante da sua visão
não sem emitir
o rugido destemido
de um leão abatido
na savana
até amanhã
amanhã é nova semana
novo
domingo  

inútil

como todas as coisas
a explodir na cabeça do homem
inútil
como a noite enluarada produzindo sangue
nas fêmeas   todo mês   um jorro de fertilidade
jogado fora
inútil
como a queda das folhas
que hoje se inicia
inútil
como a poesia
que se faz sobre estas mesmas folhas
em seu mergulho fúnebre
rumo ao chão fatigado
inútil
como a conversa de dois bêbados degolados
por arame farpado
ao contemplar suas moribundas garrafas vazias
inútil
como toda tentativa de enfiar beleza
goela abaixo nas pessoas
inútil
como exercer a cidadania
plantar uma árvore
pagar o IPTU
ser bom marido
educar filhos
acreditar em Deus
inútil
como acordar cedo
achar que você tem utilidade no mundo
tudo que se faz no mundo
você   eu   todos nós
inútil
não temos direito a nada!!!
temos o dever de reivindicar nossa inutilidade!!!
enquanto este poema se materializa
a cidade entorpecida avisa:
hoje é sábado
dia sagrado de fazer coisas sem sentido
como viver intensamente
como se essa noite inescrupulosa se repetisse
eternamente
indiferente é fazer
ou não fazer
o tempo passa do mesmo jeito
não desperdice esse tempo sonolento
querendo transforma-lo em algo útil
inútil
como a curta vida de um inseto
bailando no ar e beijando a boca da lâmpada
eis o que somos:
insetos dançando sobre a corda que separa a vida da morte
insetos metendo a língua da dor
em lábios vermelhos de batom
temos tempo até que o som
se apague
e comprove
nossa trajetória 
foi inglória
foi 
inútil  

sexta-feira, 18 de março de 2016

um choro

sei   choro muito
nessa escura travessia
com  o  coração  arrancado
do peito
gotas de sangue marcando
o trajeto
choro
sento à beira do rio
os peixes engolem minhas lágrimas
devem estar com uma sede dos diabos!!!
o que é belo
me faz sonhar
como um martelo 
espancando meu horror
sabor do triste vento
nos lábios
choro
volto à casa com passos lentos
acendo um cigarro   penso:
"nessa vida descolorida uma das
coisas que valem a pena é fumar"
vejo crianças brincando
ao pôr do sol
até esboço um sorriso
gosto de crianças
nas minhas andanças sempre
sorrio para elas
já não choro mais
paro num boteco e compro uma cerveja
acendo outro cigarro
continuo o trajeto
a noite mastiga o dia
tem gente que não chora
tem gente que não sabe
como é bom parar de chorar
beber uma cerveja
numa algazarra de crepúsculo
num fim de verão...
 
reflexão

reconheço
ter pago
alto preço
por penetrar
no útero do mundo
antes trancafiado
sorridente
agora alado
entristecido
embora
este desconcerto
trazer desconforto
faria tudo novamente
infinitas vezes
como um bom viciado
retorna sempre a sua embriaguez
com a mesma sede estrangulando as vísceras
mesmo caindo
eternamente
no chão morto
que é a existência
e não há ciência
a explicar
porque ele insiste em voar
até o topo da montanha amável
sabendo de sua inevitável queda até a profundidade
máxima do lodaçal
é que não faz mal
como diria um doente mental
ao seu psiquiatra:
"eu não sou insano"
os normais em sua normalidade apática é que são
como um cão que não uiva de dor
nem abana o rabo de felicidade
prefiro o perigoso caminho da agonia
em noite de temporal
o perigoso caminho de andar
na corda bamba
que a certeza dos trilhos suaves
em que caminham cegos
os bons cidadãos
ainda
que sinta dor na cabeça
nos olhos
nos joelhos
prefiro dar um
tiro
no escuro e a atingir minha própria boca ao invés
de dar um tiro
na claridade
e não atingir ninguém 
sou refém
de minha inquietude
mesmo 
se escorrer um rio de sangue dos meus ouvidos
mesmo
se parir um poema enegrecido
vaiado por todos
dou risada e agradeço
este é o preço 
a se pagar
a espera

espero a morte
com a paciência
de uma aranha
tecendo a teia
são de areia
os meus versos
o vento venenoso
fará com que desapareçam
não verei meu fim
somente os outros verão
vi a morte de minha mãe
vi a morte de meu amor
vi a morte de um cachorro
(doente no asfalto entediado)
vi a morte de um sapo
(gordo   torturado   e   jogado   no   esgoto)
acendo um cigarro
vejo a estante
cheia de poesia inútil
(como toda poesia)
feita na maioria por poetas mortos
como um dia serei
rei desconhecido
dos poemas vivos e obscenos
MORTO
em breve
ou talvez demore
sabe-se lá
espero a morte
sem saber
se alguém irá
notar
sem saber o seu gosto
sem saber
como é ficar
longe do fedor da vida
sem saber
como é ser um
amontoado de nada
os outros
nem que sejam
as lesmas   as baratas   as moscas
verão minha morte
apago o cigarro
me deito e abraço
a solidão
é hora de terminar
este poema
embriagado de palavras
mortas
uma horta de calamidades
na bela noite azul
da cidade    
ninguém visualiza meu blog!

a cachoeira que sou
derramando versos
manuscritos em cima de um colchão velho
(trôpego de tanto olhar nuvens
sigo caminho derradeiro)
até aquele teclado
dessa máquina chamada computador
digito com horror injetado nos olhos
digito para o mundo
os poemas que ninguém visualiza
não faz mal
sempre vesti a camisa dos naufragados
 continuo
digito   insisto sem esperança
como criança a brincar sem saber que brinca
digito com a pureza dos santos bêbados
é um verdadeiro espancamento nestas teclas inúteis
inútil também é a poesia
inútil  também a paixão do homem
inutilidade é o nosso refrão
como essa cidade
 como todas as cidades
cidade de moribundos
apertados entre paredes enfermas de casas mortas
eu sempre saio da lan house
com a certeza
nada importa
deixe que o mundo me desconheça
já tenho bastante enxaqueca
devido ao brilho assassino do sol
devido ao perpétuo vazio
que me faz lembrar do meu colchão velho e macio
para lá   vou voltar
mendigar gotas de iluminação
para o próximo verso
da minha cabeça somente versos
é tudo tão sem sentido
é tudo tão  confuso
mas não há nada mais a fazer
vejo as pessoas cavalgando a calçada
perdidas com seus pequenos planos
vejo os cachorros abandonados 
e parece que ninguém mais vê
todos perdidos em suas pequenas individualidades
e todos os cachorros na calamidade
parecem flores pisoteadas
quando chego ao ponto de ônibus
sou um cacto no meio do deserto
de adolescentes doidos
me sinto um idoso corcunda do século passado
ao meu lado desfilam as adolescentezinhas
de cabelo roxo   azul    vermelho
com piercing no nariz
tatuagem exibida no pescoço   braços   mãos   costas
e celulares à mão   ao alcance dos dedos
com seus fones de ouvido agarrados às orelhas
é   estou estupidamente velho
escrevendo poemas para ninguém
e as adolescentezinhas são todas sensuais
cheias de maquiagem e rebolando o rabo
onde estou?
que faço?
será que devo cometer um estupro coletivo
ir deitar meu cansaço na prisão?
ou faço outro poema
me recolho ( como esse sol )
para a escuridão? 
ou compro uma arma e
estouro os miolos?
ou me embriago de dor
até que todos   eu esqueça?
ou nada disso?
espero sua resposta   leitor
afinal temos um compromisso
mas você é tão omisso!

terça-feira, 15 de março de 2016



escalada

escalo
não
me calo
chego ao cume
algo diz 
não fume
fumo
rumo à nova montanha
"arranha meu peito
e diz que me ama"
lá do fundo da cama
eu a escalo
como bom galo tenho espora afiada
a escalo na alaranjada almofada
onde se deita o sol
neste fim de tarde
procuro seu corpo branco
na confusão do quarto
mesmo morto de cansaço
escalo
alturas
você me surra
com suas unhas negras
você não me quer bem
você quer meu mal
normal
eu a parti em dois
seu sexo arde
suas pernas bambas 
seus pelos eriçados
não me calo
escalo
suas curvas
você grita
mas grita baixinho
um ronronar de gatinha teimosa
você quer
não ousa dizer
eu falo
"arrebente meus lábios
com o mármore dos seus dentes"
enquanto o sol se põe
deixando no escuro
almofada laranja
escalo
até seus seios rijos
até seu pescoço vermelho
até sua boca de batom rosa
até olhar nos seus olhos azuis
ver teu desejo chorar de vontade
ver teu corpo todo num arrepio
escalo
não me calo
mais uma vez
com avidez
com acidez
a parto em duas metades
uma do bem
outra do mal
você nunca mais será a mesma
está rompida
me deito na comprida
almofada
observo a noite
banhar de sombras
nossos ossos suados
escalo
até o trinco da porta
me calo
e
vou
embora
lhe deixo rasgada
na solidão 
das lâmpadas
apagadas
o beijo

quero um beijo
um beijo na boca
beijo molhado
cheio de saliva
beijo de poetisa
cheio de lascívia
beijo de língua
cheio de enrosco
beijo com mordida
cheio de carícia
quero um beijo
verdadeiro
para nascer flores
no canteiro
não quero beijo de despedida
e sim de convite
de abrir o apetite
não quero beijo
casto
e sim
de derreter o asfalto
quero um beijo
na boca
suave   doce
quente    amoroso
insolente    doente
charmoso    saboroso
e se não
atender
meu pedido
brigo
enlouqueço
adormeço
viajo
se a poetisa
não me conceder um beijo louco na boca rubra
é porque pisa
com a delicadeza de sua letra
em meu já amargurado coração
não
não pode ser
deve haver
algum jeito dela me beijar
pois
quero um beijo
um beijo na boca
demorado
como o pôr-do-sol
num dia
de verão
o poema é santo remédio

há sombras sobre meus olhos
sombras melancólicas
quem diria
eu   que curtia
tanto   uma boa gargalhada
agora preso em poça de lama
típica de quem ama tudo
  e é desprezado por
 todos
há sombras sobre minha casa
parece que não posso mais voar
falta uma asa
asa direita
ou
asa esquerda
tanto faz falta faz
não alço voo
sobre o planalto norte
estou fraco
talvez devido aos medicamentos que estou usando
talvez devido ao desvio do meu caminho antigo
talvez devido as perdas em minha estrada sofrida
talvez até por esquecer   hoje é o primeiro dia do mês
primeiro dia do ano
o telejornal está uma chatice
somente diz coisas do reveillón
do primeiro bebê do ano
do primeiro assassinato do ano
dos mil atendimentos na praia de Copacabana causados pelo excesso de álcool
são bêbados amadores
falta profissionalismo
minha preguiça me distancia da TV     
me aproxima da poesia
assim resolvi escrever esse poema
já com o dia saindo pela culatra
e a noite beliscando meu braço
...até consegui dar
uma boa
risada
neste último verso
a mais bela

eu a vi
à margem do lago azul de Itapacari
contemplando o movimento do girassol
em direção ao pôr do sol
o sol ia mergulhando nas trevas
enquanto a noite se aproximava
eu estava
como sempre permaneço diante das pessoas 
a uns 20 ou 30 metros dela
eu a vi
deitada de lado
com a mão segurando a cabeça
vestida com  o aroma das flores que circundavam o lago azul
vestida com um vestido curto
dava para observar suas belas pernas alvas
suas fortes coxas
a beleza de suas panturrilhas
seus tornozelos finos
seus pés pequenos
pois ela era uma garota pequena
eu a vi
vi seus cabelos negros amarrados em forma de trança
longos fios de cabelo
longas tranças
ela tinha rosto de feições suaves
ela tinha olhos castanhos
sobrancelhas grossas
cílios compridos
e lábios carnudos
tão vermelhos que pareciam estar prestes a borrifar sangue 
eu a vi
vi tudo isso
porque tenho olhos de telescópio
vi que seu vestido tinha um forte decote
o que fazia a imaginação dançar  e ver seios fartos
talvez com mamilos escuros
sua cintura era fina e fazia também a imaginação dançar
pensando que ela necessitava de mãos fortes
e ao mesmo tempo tenras para levantá-la do chão
e a imaginação dançava mais e mais
chegando a partes íntimas
mas o breu do crepúsculo se aproximava
eu quase não via mais nada
nada fazia
sou tímido
não me aproximei
não a vi mais
sei que a vi
a mais bela das garotas
à margem do lago azul de Itapacari
diário

meus poemas estão se tornando um diário
é cômico
eu   poeta anônimo
a rabiscar versos com carvão na calçada
e a chuva tudo leva...
depois da madrugada alucinada
gravando meu último poema
dormi lá pelas 7 e meia no quarto do meu pai
não lembro porque
acordei ao meio-dia
com as têmporas vermelhas e quentes
tudo rodava
como se eu estivesse numa cadeira giratória
vibrava meu cerebelo
e meus agora não mais longos fios de cabelo
lágrimas morriam na face fatigada
de nada sabia
de repente sorria
parti para o desejum
engoli empanados de frango
fiz chá de gengibre
ingeri 40 gotas de neosaldina
bebi muita água...
meu pai reformava minha destruída cama
colocava o colchão urinado sob o sol laranja
brilhante como os olhos azuis de minha melhor amante
suei como um cavalo o ajudando
fui até o mercadinho comprar parafusos
suei mais   feito um porco sob 40 graus num chiqueiro podre
lá pelas 5 terminamos a árdua tarefa
devorei uma lasanha
deitei na cama dos fundos
ao som dos pássaros do meu pai
fumei uns cigarros saborosos
estava exausto
bebi mais água
percebi o dia sair e a noite entrar
quis dormir
quis escrever o poema que estava gestando o dia inteiro
mas o cansaço não permitia
me mudei para o meu quarto num colchão improvisado
velho e esfarrapado
como minha vida
fumei mais uns cigarros
já era quase 9 da noite
comi pão com margarina e queijo colonial
acompanhado de leite com nescau
assim recomposto
mais disposto
brinquei com minha cadelinha Princesa
ela é linda   tem 6 anos   abana o rabo singelo
quando estalo meus amarelados dedos
e fiz com facilidade
este poema
este diário poético
feliz

segunda-feira, 7 de março de 2016

febre da selva

um negro e uma branca
o negro mamando nos mamilos brancos da branca
a branca chupando o pau grosso e longo do negro
sob um sol selvagem de Nova York   30 graus
sob a febre da tarde com seus raios ultra-violeta
(entrando sorrateiros pela janela de um discreto 
apertado apartamento)
o negro está de joelhos na cama
a branca está de quatro
o negro está enrabando a branca com estocadas sinceras
a bunda clara da branca sacoleja
como sacolejam os passageiros de um ônibus
super-lotado em São Paulo
o negro aumenta o ritmo
as estocadas agora são violentas
a branca range os dentes e geme baixinho
depois o negro diminui o ritmo
gotas de suor escorrem até o lençol
um pássaro ao longe grita de felicidade
agora o negro volta a acelerar o ritmo
crava os dedos na bunda branca da fêmea branca
e as estocadas se tornam ferozes
a branca passa a emitir uivos de loba
sente a proximidade do orgasmo
há umidade em suas mãos agarradas ao lençol
o negro acelera mais o ritmo das estocadas
com a força do seu pau preto  longo  e  grosso
a fêmea branca de cintura fina e ancas largas
morde os próprios lábios até explodir sangue
aí vem o gozo   de ambos 
ambos ao mesmo tempo
o esperma do negro mergulha no rabo da branca
com a velocidade de um jato super-sônico
o negro rola de costas  e deita no lado esquerdo
da cama
a branca somente esmorece e deita de bruços
no lado direito da cama
está completa a alegria da sodomia
eles se olham   se beijam na boca
um longo beijo
mal se conhecem
é sexo casual
herdeiro do amor livre dos anos 60
acendem cada um   um cigarro
permanecem deitados   calados
a febre selvagem do sol diminui sua força
está próximo o crepúsculo
o negro alto e forte 
exausto   se levanta
dá um beijo delicado no rosto da branca
se dirige à porta
diz adeus
e
vai
embora
memórias  tarefas e planos

agora são 4 e 10
manhã
acordei
estranho
não consigo ter um sono contínuo
acordei com um pensamento nítido
oriundo do sonho que estava vivendo
agora já não lembro mais
há um mês atrás quis fugir de casa
retalhei meu braço com Gillete
vi muito sangue   era dia 21
dia 30 pela manhã
cortei meu pulso esquerdo com uma faca
o sangue borrifou pela cozinha
me deitei na cama e o estanquei com uma camisa de flanela
que vida cadela foi a de novembro!!!
depois com um pano umidecido
decidido a esconder de meu pai
(que estava em Canoinhas)
limpei todo o líquido viçoso do chão
joguei o pano todo vermelho em cima do telhado
eu era um farrapo humano
mal comia
mal dormia
não tomava banho
nem escovava os dentes
virava tubos inteiros de Rivotril  2,5 mg\ ml
queria dormir o tempo todo
 foi como a estadia no inferno de Rimbaud
enfim
dormi por horas e horas
acordei com ideias sobre tarefas  a realizar
e tarefas sempre me causam ansiedade
olhei pela janela e vi o sorriso e a quietude da noite
pensei em escrever um poema sobre a juventude como as belas composições  de
 Renato Russo
continuo pensando em minha irmã
acho que hoje devo tirar xerox do meu livro
que também é um xerox 
xerox do xerox
acrescentado com o prefácio elogioso da professora Fahena
ao poeta ocioso que sou
não vou contar nada a respeito das outras tarefas
os leitores não devem saber tudo que atormenta a mente dos escritores
sei que dia 24 vou à casa de Cátia
minha amiga há 22 anos
ela faz aniversário nesse dia   faz 40
espera o sexto filho para janeiro
vou lhe dar de presente o romance Vidas Secas de
 Graciliano Ramos
espero também encontrar outro velho amigo       desde o segundo semestre de 91 no colégio São José
é Denis Robert Sá
fazia o curso de direito em 
Blumenau
se envolveu com o crime
contrabando
foi preso
condenado a 5 penosos anos
ele também faz aniversário dia 24
faz 42
ele e Kátia
são pessoas que guardam tristeza nos olhos
mas são cheias de coragem
diante de nossas vidas
também
secas
que dia!

fui dormir ao som de Bee Gees
acordei com dia furioso dia 22
dia do verão
coloquei um disco ao vivo de Roberto Carlos
(ano de 2005)
vibrei com a versão da sensual canção
Cavalgada
a escutei 12 vezes
e lembrei   vi este show na TV
com minha mãe
chorei
voltei a dormir
depois de um nescau com pão e margarina
acordei ao meio-dia com o dia em brasa
passei a tarde toda
com o som negro de Ray Charles
ele morreu há quase 3 anos
os vermes devem estar corroendo seus olhos cegos
cego fiquei   quando lá pelas 4
recebi carta de minha irmã aceitando meu pedido de perdão
comi empanados de frango
bebi muita água filtrada
e fiquei pensando na carta de resposta
minha aposta é que tudo vai se acalmar
como as ondas do mar
porque fiquei nervoso
de tanta coisa que pensei em escrever
devorei uma lasanha   acho que lá pelas 7
sei que pouco tempo depois
como pássaro ferido
soltei gemido
dormi
acordei   não sei que horas
com a cama toda urinada
meu pai me ajudou nessa confusão
fui tomar um banho
lembrei da carta
chorei
continuei alucinado a pensar na resposta
ela ainda gosta de mim...
feliz fiquei
quando vi já era meia-noite e vinte
engoli outro nescau
congelei o som dos Ramones
e corri para meu poema diário
sou ambulante dicionário
sem salário
e
hilário

Manchinha

meu cãozinho Manchinha
morreu em fevereiro de 2013
nasceu no natal de 96
em minha primeira descida aos infernos da depressão
(em outubro de 97)
ele foi meu parceiro terapêutico
conheceu aos 10 meses o mundo exterior através de minhas mãos
fazíamos caminhadas aqui da minha casa
até a igreja matriz de Porto União
ele ia faceiro e ensandecido   farejando tudo
eu também farejava o ar de minha recuperação
eu tinha 22
e a alegria a dois é mais correta
e nada discreta
ele me puxava pela corrente com todo o vigor
(de cãozinho novo)
ficava assustado quando atravessávamos a ponte
e via a imensidão do nosso querido Iguaçu
foi grande amigo por 16 anos
quando foi ficando velho   ei fiquei com pena
já em seus últimos meses andava meio torto
uivava de dor ao defecar
seu calvário foi num sábado ensolarado
seu intestino saltou para fora lá pelas 10 da manhã
ele pareceu não ligar   continuava andando pelo pátio
(borrifando sangue por tudo)
lá pelas 2 da tarde se tornou frágil
mas foi valente
somente as 7 e meia da noite morreu 
acompanhei todo o processo  
presenciei sua última golfada de ar
aí chorei
para mim não faz sentido um céu para os homens
mas para os cães faz
um belo
paraíso
entorpecido