terça-feira, 22 de março de 2016

acordado

a insônia como um sonho
vestido de pavor
deixa meus olhos abertos
são 4 e 10
escrever é a única saída
já que entrada para o sono foi cancelada
já escutei o disco do Queen umas 8 vezes
já matei obstinado dezenas de pernilongos gordos de sangue
meu sangue sugado
me faz parecer uma página em branco
fui ao espelho e conferi
meu cabelo esfarrapado
minha barba não cortada há meses
meu rosto pálido e amedrontado
como filhotes de passarinhos
resta ir lá fora
com um estilete ardente à mão
decepar o fogo das flores
decepar a cabeça dos postes
olhar para a lua e sorrir
um sorriso diabólico
feito de dentes podres
olhar para a rua deserta e uivar
um uivo de lobo esfaqueado nas montanhas
da combalida América
volto à casa e penso
na América faminta
América que já foi o novo mundo
e hoje nem velho mundo é
penso mais
como um filósofo preso
devorando a ferrugem das grades com sua filosofia
penso no poema que escrevo neste minuto fúnebre
de minha já quase extinta história
pouca glória
muito catarro de tabaco deitado
no tapete do quarto
muitas crises de gastrite nos hospitais
nos quais a Dona morte
observa tudo com olhos de víbora
muitas internações em hospícios
meu verdadeiro lar
onde encontrei o abraço insano
dos meus melhores amigos
verdadeiros parceiros da loucura
muito embriagado de barbitúricos em Blumenau
dançando na lama
sem carteira   sem dinheiro
sem camisa   sem chinelo
(não me perguntem como voltei para casa!)
não lembro de nada
este poema é isso
e somente isso
nascido de dentro das minhas entranhas
cuspido com fervor para as alturas do céu
onde nada existe
assim como eu
um pedaço de nada
a não dormir
e escrever versos
da mesma forma que se retira a tampinha de uma cerveja
da mesma forma que se abre uma lata de extrato de tomate
esses atos revelam tanta poesia quanto meu poema
e há tantos poetas neste mundo
que só de pensar prefiro morrer comendo minhocas
não gosto de falar sobre o fazer poético
principalmente com poetas
prefiro rabiscar o chão por onde ando
quieto
quieto e solitário
quieto  solitário  e  insone
quero que ninguém saiba meu nome
quero permanecer no anonimato
assim ninguém saberá  nada a meu respeito
nem o que lança chamas em meu peito
nada sobre a água
que busco para apagar este incêndio
e destas cinzas
retirar a linda
inocência do próximo poema
ainda que acordado
eternamente
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário