terça-feira, 22 de março de 2016

inútil

como todas as coisas
a explodir na cabeça do homem
inútil
como a noite enluarada produzindo sangue
nas fêmeas   todo mês   um jorro de fertilidade
jogado fora
inútil
como a queda das folhas
que hoje se inicia
inútil
como a poesia
que se faz sobre estas mesmas folhas
em seu mergulho fúnebre
rumo ao chão fatigado
inútil
como a conversa de dois bêbados degolados
por arame farpado
ao contemplar suas moribundas garrafas vazias
inútil
como toda tentativa de enfiar beleza
goela abaixo nas pessoas
inútil
como exercer a cidadania
plantar uma árvore
pagar o IPTU
ser bom marido
educar filhos
acreditar em Deus
inútil
como acordar cedo
achar que você tem utilidade no mundo
tudo que se faz no mundo
você   eu   todos nós
inútil
não temos direito a nada!!!
temos o dever de reivindicar nossa inutilidade!!!
enquanto este poema se materializa
a cidade entorpecida avisa:
hoje é sábado
dia sagrado de fazer coisas sem sentido
como viver intensamente
como se essa noite inescrupulosa se repetisse
eternamente
indiferente é fazer
ou não fazer
o tempo passa do mesmo jeito
não desperdice esse tempo sonolento
querendo transforma-lo em algo útil
inútil
como a curta vida de um inseto
bailando no ar e beijando a boca da lâmpada
eis o que somos:
insetos dançando sobre a corda que separa a vida da morte
insetos metendo a língua da dor
em lábios vermelhos de batom
temos tempo até que o som
se apague
e comprove
nossa trajetória 
foi inglória
foi 
inútil  

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