terça-feira, 22 de março de 2016

todo dia é domingo

domingo   outono chegou
mas é febre o que sinto nas veias
é mormaço que observo abater
as verdes plantas corajosas a nascer no concreto
defronte a minha cabisbaixa janela
domingo   para mim
todo dia é domingo
nada faço   tudo é cansaço
vou rastejando como as minhocas
aos saltos para escapar das garfadas dos pássaros assassinos
esses pássaros   gosto do seu canto
mas prefiro as minhocas   são mais valentes na sua vida contorcida
domingo   a poeira do tapete doentio
adentra as narinas
vem tosse a sujar meu corpo
o poema me lava
como a lava do vulcão arrebenta as casas
como uma gota de colírio limpa
o olho furioso
domingo   vou me embriagar de caminhada
até a ponte
ver o horizonte com a saudade dos mortos
saudade grande de pequenas coisas que vivi
nada sobrou
somente as cinzas do incêndio que sou
sou a lembrança do que fui
domingo
fazendo meu poema dominical
ainda em jejum
depois   deglutir um nescau
partir
para um abraço quente nas montanhas do caminho
talvez beba um vinho
talvez   canse e morra
talvez   cante e adormeça
à beira do rio
por breve tempo
dissiparia o fastio
que me consome
não tem nome
é pesado
é um fardo
com a mesma dor da utopia a carregar nas costas
quem diria
meus sonhos morrem
como um homem morre após um corte de faca no coração
essa mesma faca
atravessou meu destino
o cortou em dois
de um lado fiquei
do outro
ficaram os outros
que pouco a pouco
desapareceram
como desaparece este poema
diante da sua visão
não sem emitir
o rugido destemido
de um leão abatido
na savana
até amanhã
amanhã é nova semana
novo
domingo  

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