quinta-feira, 12 de maio de 2016

muito sono e nenhuma mosca

vejo
sonolento no meio da noite
um cupim carregando a bandeira nacional
um exército de traças cantando um blues
duas baratas conversando num idioma desconhecido
e as moscas do verão foram embora
sonolento no meio da noite
despindo a escuridão
lembro
dos velhos
que encontro em diferentes lugares
em filas de banco
caminhando nas calçadas
(como lesmas viciadas em ópio)
velhos
agrupados em círculos
conversando   fumando
nos tediosos pontos de táxi
sonolento no meio da noite
vejo
os pernilongos em desfiles fúnebres
(afinal é maio
o frio deve congelar suas asas de poeira)
o ventilador esquecido tocando violão
o aparelho de som agonizando
e as moscas do verão foram embora
sonolento no meio da noite
e os velhos
lembro
me parecem melancólicos
para não dizer que as formigas vermelhas
parecem já ter feito casa em seus corpos
eles exalam um odor de pele morta
embora
haja alguns doidos
ouço
(e às vezes até converso)
uns são fanáticos por política
outros são fanáticos por cachaça
estes últimos não entendo quase nada do que falam
porém
são os melhores
e as moscas do verão foram embora
aquele zumbido azul me abandonou
vejo
a cama flutuar
o teto se abrir como um vulcão cheio de fogo miraculoso
o travesseiro treinando judô
o carpet sentado meditando
sonolento no meio da noite
e os velhos
tento entender os velhos
as velhas também
digo:
"bom dia senhor
bom dia senhora"
me levanto no ônibus dançante
 lhes ofereço lugar
quando por fim a esse poema
ficarei mais velho do que sou
tento entender
o que acontece em suas cabeças
(se é que eles ainda tem noção da existência das suas cabeças!)
o que sentem
sobre a chegada
da falência natural de seus ossos
se a fé vence o medo da fatalidade
não acho que eles tenham a resposta
talvez não queiram pensar nisso
talvez queiram
(e como a maioria adiem indefinidamente esse amargo assunto)
eu penso sobre o fim
desde criança
talvez isso explique
meu tormento
meu lamento
ao olhar ao redor do quarto
descobrir
as moscas do verão foram embora
sonolento no meio da noite
rabiscando uns versos
um coice
nos cisnes do sonho
lutando boxe
num lago
depois
bebendo
um
trago

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