segunda-feira, 9 de maio de 2016

uma boa companhia

o poema que despejo na imaculada página
com o furor de um louco
detido pelas grade do hospício
(e já estive em cinco dessas casas da insanidade!)
me faz companhia
a literatura
me faz companhia
a filosofia
me faz companhia
a antropologia 
me faz companhia
a música me faz companhia
os livros de arte me fazem companhia
alguns poucos filmes no DVD me fazem companhia
(é   agora tenho uma dessas máquinas de cinema caseiro)
as cartas de minha irmã e minha tia me fazem companhia
mas é necessário dizer adeus ao quarto maltrapilho
é necessário entrar no ônibus
confabular com um velho bêbado
é necessário ir sebo
conversar com o proprietário sobre tudo aquilo que queima e adoece
é necessário ir à lan house
conversar com o proprietário sobre coisas banais
é necessário ir ao restaurante
conversar com um velho louco que fala de política o tempo todo
é mais necessário ainda
ir ao parque
ver as crianças brincando
sujas de areia
gritando
correndo umas atrás das outras
 há choro
há risos
naqueles olhinhos angelicais e demoníacos
ao mesmo tempo
há mães extremamente preocupadas
estabanadas na proteção de seus filhotes
(que estão mais protegidos dos males cotidianos que elas!)
é necessário também
deixar-se levar pelo aroma da cidade
vagar como um ectoplasma
na observação cautelosa das moças do nosso tempo
muito ousadas
com seus corpos de serpente
(caça exuberante para meu olhar
de caçador solitário)
não as incomodo mais
com meus sussurros de lobo faminto
somente contemplo
arranho a sola dos sapatos gastos na calçada
em alguma perseguição a uma mulher muito majestosa
se a alcanço
digo
bom dia
boa tarde
boa noite
digo
com educação que ela é muito linda
poucas me agradecem
sigo
em frente
volto ao quarto após essa expedição na qual
também percebo
um emaranhado de pombos esfomeados no calçadão
um rebanho de cães magros
cheios de feridas e latidos cansados
senhoras obesas e senhores esquálidos
(ou o contrário)
catadores de papel ou plástico
com olhar triste e espinha dorsal
provavelmente comprometida
converso com todas essas espécies
de bichos e pessoas
(apesar deles me ignorarem)
quando ocorre a implosão do meu ser destruído
(ainda vivo)
me lanço à tarefa agradável do poema
em meio ao aos pedaços
do fígado
dos rins
das orelhas
dos olhos
(e todo o resto da anatomia!)
encho a podridão do quarto
com poesia
afasto as aves de rapina
da janela
e penso nela
o amor é um bom motivo para um verso
já sinto a alegria 
dessa 
companhia

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