quarta-feira, 11 de maio de 2016

a felicidade surge de onde menos se espera

nada fazendo
somente me contorcendo
na cama desajustada
somente ouvindo
sinfonias do velho Mozart
a leitura e a poesia
morrendo serenas
no chão do quarto
não esticava os longos braços
para salvá-las dos olhos arregalados
que toda morte provoca
indiferente
deixei-as à deriva
vendo as formigas vermelhas
carregarem seus corpos miseráveis 
para seus ninhos de tortura e solidão
continuava com o velho Mozart
soltava gargalhadas
diante do destino
que tracei a elas
nesse deprimente dia caloroso de abril
fodam-se a leitura e a poesia!
não estava legal
quando estiver legal
resgatarei seus ossos do ninho das formigas vermelhas
mas
aconteceu o maravilhoso
me fez levantar do colchão azedo
eram ganidos de loucura
vindos de minha cadela
ela estava grávida
no meu torpor dos últimos dois meses
esqueci disso
não esqueci dela
ela é atualmente minha melhor companhia
mas
no instante que aqueles uivos inquietos açoitaram meus ouvidos
lembrei
é capaz de estar próxima a hora milagrosa da reprodução
tentei acalmá-la
deitei a mão sobre sua pelagem marrom clara
conversei com ela
(numa língua que só nós dois entendemos)
ela permanecia esquizofrênica
latindo e correndo de um lado para o outro
pensei
este é um acontecimento em que alguém precisa de mim
(coisa rara na última década!)
ela se acalmou
aumentei o volume do velho Mozart
esta situação majestosa
precisava de majestosa
trilha sonora
a cadela sentiu o poder da música invadir suas entranhas
e deitada em sua casinha
enquanto segurava sua pata trêmula
cuspiu do fogo de sua barriga
um a um
cinco miniaturas de cães
frágeis e belos
desesperados atrás da teta leitosa
deslizaram suavemente do seu interior agradável
para o hostil exterior
(eles não sabem disso e nunca saberão)
quem me dera ser um cão!
a cadela protegeu sua cria
seu olhar de desespero
transformou-se em alegria
despudorada alegria animal
e eu fiquei legal
e resgatei os ossos danificados de minha poesia
e olhei para a cadela
com olhos encharcados
ali mesmo ao seu lado
entre seus filhotes
entre as patas daqueles seres esplêndidos
rabisquei no cimento
com um pedaço de giz
esse poema
que me fez esquecer
que
sou
infeliz

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