sexta-feira, 3 de junho de 2016

família Gomes

minha mãe morreu
o que farei eu?
se não mais
escutarei
o grito do seu sorriso?
se não sentirei
seu velho par de chinelos
se arrastando
pela cozinha?
se não verei
nunca
nunca mais
o brilho de sua mão idosa
sobre minha cabeça vazia?
o que farei eu?
perdido
sozinho
neste quarto
já que quando cansado
deitava ao seu lado
declamava poemas
ouvia com olhos atentos
as histórias da
família Gomes
ouvia sua tristeza
estando doente
eu
descrente
que farei?
se não há para mim
nenhum paraíso
para nosso encontro
somente
vida morta
(como colibri sem flor)
(como amante sem amor)
se não fosse
Schoppenhauer
Nietsche
Heiddegger
Sartre
talvez
bom cristão seria
não estaria
imerso em
poesia
por isso
não se encaixa
em minha mente
os ensinamentos da catequese
hoje
mesmo que reze
nenhum Deus me dará ouvidos
já profanei demais seus altares
minha mãe
fez de tudo para eu ser
um bom menino
porém
já pequenino
demonstrava fúria
crescendo
crescia
a
loucura
uma
escassez
de
retidão
(ladrando como cão raivoso
quebrava as normas
nervoso
explodindo
espuma
pelas têmporas)
mãe
matei o Deus
que você
plantou sorridente em meu peito
mãe
foi o mundo
que lhe deixou doente
foi o mundo
sem sentido
que nos separou para todo sempre
choro
o berro
dos
desesperados
lhe quero de volta
eternamente aqui
nessa Terra
não concordo
com esse absurdo
estamos presos
em nós mesmos
distantes de tudo
diante do nada
é bom
lembrar
enquanto vivia
mãe
havia
um ninho de
alegria
em minhas
mãos
agora
somente
sua
lembrança
possuo
ela
me
aniquila
dia
após
dia
é
como
se
toda
manhã
fosse
31
outubro
você
desmilinguida
de
olhos
arregalados
encarando
a
morte

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