sábado, 23 de abril de 2016

conversa amarga na mesa do bar

eu disse a ele:
"há uma solidão com garras de águia cravada nos ossos do mundo"
ele disse:
"até minhas putas andam tristes"
eu disse:
"o esgoto transborda das cloacas e invade nossas narinas"
ele disse:
"as formas femininas apodrecem nas casas cristãs"
eu disse:
"as manhãs de nosso tempo surgem assustadas
cuspindo fogo canceroso"
ele disse:
"minha mãe morreu deprimida
de tanto vomitar uma espuma esverdeada"
eu disse:
"e querem que eu escreva poemas açucarados
sobre crianças felizes brincando na praça!"
ele disse:
"e querem que eu abandone o vinho
(que me faz esquecer da vida)
para lembrar que eu não existo"
eu disse:
"e querem que eu seja engraçado
enquanto há um rio lodoso
de pânico ao meu lado"
ele disse:
"vamos ser irônicos!
vamos brindar à desgraça dos nossos dias!
jogar bilhar e queimar dinheiro
tornando alegre a vida das prostitutas!"
eu disse:
"vamos catar alguns mendigos no assoalho da cidade
levá-los ao prostíbulo
tornando alegre suas vidas imundas"
ele disse:
"vamos arrancar flores à beira do caminho
colocá-las sobre
nossas orelhas murchas
nas orelhas dos mendigos
nas orelhas das prostitutas
nas orelhas de todos esses órfãos
que vivem soterrados nos porões da humanidade
afinal   todos tem orelhas!"
eu disse:
"na verdade sufocada
estamos bêbados até as orelhas
não temos dinheiro algum
nem para o bilhar nem para queimar
nem para prostitutas   nem para mendigos
nem para pagar a porra dessa conta exorbitante!"
ele disse:
"o melhor é chamar a polícia e se entregar
os melhores estão na prisão!
levaremos as flores mortas para eles
pelo menos as flores das ruas solitárias e cheias de bocejo
são gratuitas!"
eu disse:
"vou escrever um poema sobre isso
em algum dia cansado..."
escrevi!

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