sábado, 23 de abril de 2016

assustado

novamente o poema
das 4 e 10 da manhã
assustado
como um rato cercado num beco sujo
por um gato de garras metálicas
assustado
por ter acordado em prantos
(e eu sequer havia dormido!)
assustado
lembranças laceram minha carne lívida
minha mãe surge
como trovão em meus ouvidos
como relâmpagos diante dos olhos
como raios a rasgar o corpo em fatias
assustado
...fui ao pátio
acendi um cigarro
traguei bem fundo
soltei a espiral de fumaça
a vi se despedindo de mim
indo para o além
assustado
mas por que?
me perguntava
e as lágrimas choravam
até que olhei para o concreto
vi uma fileira de formigas idiotas
fazendo seu trabalho noturno
pra lá e pra cá
esbarrando umas nas outras
achei aquela cena divertida
e reconheci
(no segundo cigarro
 aceso
na bituca do primeiro)
elas são sábias
eu é que sou idiota
despedaçado pela insônia
deitando quilômetros de lágrimas
por causa de minha mãe
não é saudade dela
é saudade do que eu era
quando ela existia
à parte nossas grandiosas batalhas
havia um ninho de aconchego em seus braços
(já flácidos devido à idade)
já cedo ia à sua cama
declamava com o fervor de um profeta
meus poemas
e não fazíamos nada o dia inteiro
apenas conversávamos
sobre a família Gomes
sobre sua vida de solteira
sobre sua infância
sobre sua cidade natal
ela   preocupada com meu futuro
já que não me viu formado
(e jamais me graduei!)
foi embora desse mundo um pouco
frustrada neste aspecto
como uma ave que tenta ensinar
o filhote a voar
e ele não decola
porém decolei
avisei-a que ia ser poeta
por toda a eternidade dos meus dias
antes dela dar
sua última golfada de ar
(a qual presenciei)
e hoje
assustado
gemendo baixinho
um choro mansinho
que é pura idiotice
tenho que proclamar
sua ausência e definir meu lugar em algum lugar
mas continuo
assustado
por mais idiota que seja
ao recordar seu olhar de ternura
sobre mim
todo meu esqueleto se fratura
sei
tenho que catar meus pedaços
e construir um novo homem
um novo homem
dos estragos do passado
refeito
assim morrerei tranquilo
em meu
colchão velho
manchado
de
sangue

Nenhum comentário:

Postar um comentário