terça-feira, 12 de abril de 2016

o velho poeta

ele era um velho poeta
começou cedo 
junto com as primeiras alvoradas
da alvorada da sua vida
engoliu os grandes franceses    por meses
Baudelaire   Rimbaud   Genet    Céline
engoliu os grandes russos do século XIX
Dostoiéwski   Tolstói   Górki    Gógol   Thecov
engoliu os grandes estadounidenses
Hemmingway   Mac Cullers   Ginsberg   Fante   Kerouac    Bukowski
morava num país pobre
de pão e de ideias
um país faminto
um povo banguela
um povo que não entendia o que era literatura
que não entendia patavinas sobre
qualquer outra forma de evacuação artística
(é clara    eles não tinham a mínima culpa)
eles assistiam paralisados muita TV
e gostavam de ouvir as vozes esganiçadas
dos cantores sertanejos
que nos últimos tempos não tinham a mínima ideia
do que era o sertão
eles não observavam a beleza
do zumbido de um pernilongo
enlouquecido em sua busca eterna por sangue
nem a beleza
do olhar murcho dos doentes
encarcerados num hospital público
cantarolando baixinho canções populares
(aquelas dos cantores sertanejos)
já ele
o poeta
desde cedo
viu esta beleza escondida
nos insetos nocivos
no seu povo sofrido
(que não tinha a mínima ideia do que era sofrimento)
continuavam trabalhando   sorrindo
se embriagando de sua própria fome
ele percebia essas contradições
elas foram o esqueleto de sua poesia
ele primeiro não agradou a crítica
nem o público
minguava em duros bancos de praça
pouco a pouco
continuou não agradando a crítica
mas conquistou o público
era aquele povo desdentado
não entendia nada dos seus poemas
passou a gostar da força do som de suas palavras
quando ele se levantava
sobre o banco da maldita praça
rugia versos selvagens
e ficou famoso
e vendeu muitos livros
naquele país em que ninguém lia
e vendeu mais livros
em países que havia mais gente que lia
e nunca agradou a crítica
lá nas entranhas
achava bom assim
ficou velho
velho e solitário
mas sempre grávido de senso de humor
gordo de amor
pela literatura
pelo seu povo sem dentes
espera agora a morte
comendo pão com mortadela
já escreveu seu epitáfio:
aqui jaz um poeta
vivente numa terra carente deles
como uma flecha 
acertou o coração de seu povo
agora ele e eles podem
morrer em paz
será o cúmulo!
darão cambalhotas em seu túmulo 
       

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