quinta-feira, 7 de abril de 2016

poema sobre o poema

somente quando escrevo
me vejo
encontro não exatamente
o que quero
encontro uma tormenta
águas azuis como a chama
de um fogão à gás
me invadem
me rasgam
aguas azuis parecidas
com moscas azuis
circulam
vagam
quando escrevo
estas águas azuis
lavam meu corpo coberto de pus e sangue
afastam a amargura da perda
e do pó calcificado nas entranhas
arranham como um gato malvado
a face atormentada
surge o poeta
morre o homem
sou outro
não mais aquele andarilho
das ruas sem sentido
exibo uma careta no espelho
acendo um cigarro
e sigo em frente
verso após verso
despejando na página
palavras que gostaria de ter lido
como não as achei em livro algum
solto catarros poéticos
meus
esses catarros são meus e de mais ninguém
pois a tormenta de que falava
faz as cortinas colossais se erguerem
morre a falsidade do discurso cotidiano
surge a poesia como um cavalo selvagem
negro   bruto
pisoteando valente o chão da existência
a força das patas desse cavalo enlouquecido
espanca o drama
que é a vida bestial
diante de um campo repleto de flores doentes
ao escrever
as águas azuis
penetram pela
boca   nariz   ouvidos
todos os orifícios do corpo lacrimoso
até o rabo ocioso
enchendo de luz
aquela vasta escuridão vadia
que como persianas fechavam
o homem no quarto
apenas acompanhado
do cinzeiro imundo
tapete   poeira
ventilador morto
som paralítico
lustre raquítico
violão sem cordas
ao escrever
ele acorda
brinca   sorri   canta   dança
embriagado de noite preta
é orgia
palavras parindo palavras
alegria
ao derramar essas gotas que são detritos
em correria
partem os conflitos
é como um padre se afundando no pântano da putaria
ele renasce
como renascem os dias
como em toda tarde febril após manhã molhada
voltam os galos
a estrangular minhocas 

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