quarta-feira, 27 de abril de 2016

atrapalhado

minha vida é uma sucessão de trapalhadas
aos onze ou doze anos
mergulhado nas chamas de um verão pegajoso
subi no bidê do banheiro
(onde mais ele iria estar?)
ele era de um verde cintilante
(lembro bem!)
esta escalada estava destinada a ser uma catástrofe
queria apenas ver através da janelinha
as longas e imponentes pernas de minha vizinha
o que eu não contava era que aquele maldito bidê
estava colado ao chão
como raízes de árvores encaloradas
num pântano de vômito e lágrimas
me ergo na ponta dos pés
para melhor deliciar a visão daquelas pernas
(que jamais esqueci)
sinto o cambalear do maldito bidê
em instantes ele desaba
morto de cansaço
para um lado
(não lembro qual)
eu desabo em seguida
com o pau na mão
e já percebo uma grande fratura no maldito bidê
e mais
o cano que o ligava à parede
se dilacerou
um jato d'água ruidoso e raivoso
inundou o banheiro
não sabendo o que fazer
sentei no vaso com o pau desfalecido e guardado
e não consegui pensar em nenhuma
grande explicação
então minha mãe abre a porta
arregala os seus já grandes olhos negros
e grita
como uma fera em um salto sonoro
olhando ora para o maldito bidê despedaçado
ora para a avalanche d'água
ora para minha insignificante pessoa
(amedrontada e sentada num vaso também verde cintilante)
chega meu pai e diz:
"piá só faz merda!"
olha para minha mãe incrédula
e lhe diz para rapidamente fechar o registro da água
que já começava a invadir o resto da casa
eu queria fugir dali
me esconder por décadas
(não sabia aonde)
pensei que um bom esconderijo seria
entre as pernas deliciosas da minha vizinha
(eu lembro desse pensamento com a nitidez com que 
hoje disseco flores com um estilete)
mas não havia como fugir
e veio o triste interrogatório
a evidente questão a borbulhar
no cérebro dos meus pais
"como você fez isso"
minha boca estava lacrada pela cola da vergonha
(difícil admitir que estava inspecionando pernas com o pau duro na mão)
eles concluíram rapidamente
que subi no maldito bidê
"por que?"
o que lembro é que inventei uma história descabida
eles experientes diante da mentira adolescente
me enviaram ao quarto
trataram de arrumar aquela confusão
e minha mãe com sua fala nervosa
ficou esbravejando ao céu por um longo mês
o preço de um maldito bidê novo
(ainda mais verde cintilante!)
hoje
ao escrever isso
percebo
a culpa de tudo
não foi o maldito bidê
foram as pernas libidinosas da vizinha
elas é que eram malditas
chego à conclusão
foi este o primeiro
(de infinitos)
problemas
que aconteceram em minha vida
por
causa
de
uma
mulher

Nenhum comentário:

Postar um comentário