quarta-feira, 27 de abril de 2016

Joana

havia algo de estranho no mundo naquele dia
eu a encontrei na porta de entrada do prédio da UFPR
sentia que nunca mais olharia dentro dos seus olhos
não lembro exatamente qual foi o dia
(pudera estava fumando umas 400 gramas de maconha
por mês   naquela época)
acho que foi por outubro ou novembro do fatídico ano de 2004
ela estava esplendorosa
com seus radiantes olhos celestes engolindo os meus
vestia seus vestidos curtos
chinelos hypiies
colares indígenas 
anéis coloridos
e
pulseiras também hypiies
me recordo muito bem de tudo isso
é como um ferro em brasa marcando
minha consciência com sua imagem
ela trazia à mão um livro de poemas de
Manuel de Barros
perguntei se tinha tinha lido os livros de 
Annais Ninn
que lhe havia indicado
ela respondeu que sim
e gostou
falei para ler o 
Trópico de Câncer
de
Henry Miller
a trilogia obscena de
Hilda Hilst
nós ficamos ali paralisados
ela continuava me engolindo com seus olhos
o nosso caso de amor paralelo ao meu casamento
 estava morto
acho que há uns dez meses 
eu não consigo lembro por que!
não consigo aceitar que escolhi a mulher errada!
não consigo entender que mesmo sabendo do erro
escolhi torná-la minha amante
e não enfiar um pé no rabo da minha mulher
enquanto conversávamos sobre literatura
ali de pé petrificados e entupidos de desejo
pensava
as mulheres são enigmáticas!
o enigma é que achou cômoda a situação de amante
porque não queria assumir compromisso sério
ao mesmo tempo
percebia seu corpo tremer
seus mamilos duros
sua vagina encharcada
assim nossa conversa se tornou
mero pano de fundo
para o drama
encenado naquele cantinho da universidade
este era o palco
a multidão que passava eram figurantes
não notavam a tensão sexual
os movimentos sensuais de nossos gestos
os olhos endereçados ao interior de cada um
buscando uma palavra para acabar com aquele silêncio
porque nossa conversa era um "silêncio a dois"
lutamos acho que por uma meia hora
que foi infinita
mas não conseguimos dizer nada do
que queríamos dizer um ao outro
esta é a última lembrança que tenho dela
ela se desviou de mim
logo se virou num olhar sorridente
e disse: "tchau   a gente se vê"
eu disse meio zonzo:"tchau   Joana"
mas sentia que era um amargo adeus
nunca mais a vi
saí de Curitiba naquele mesmo ano
e ela
foi cremada
em fevereiro de
2014
meu único verdadeiro amor
já escrevi dezenas de poemas dedicados à ela
e nada mudou
é como se ela estivesse aqui
ao meu lado
mas
distante
demais
para 
tocá-la

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